Até que ponto tem sido sofrível conviver com quem tem algum
Transtorno Afetivo
A Depressão geralmente é uma doença devastadora, apesar de muita
gente ainda não acreditar que ela exista.
Não vamos falar aqui do quadro clínico e dos sintomas daDepressão, mas
sim de um aspecto da Depressão que muitas pessoas não sabem e não se dão conta;
trata-se do grau em que os transtornos depressivos afetam os relacionamentos.
Segundo Xavier Amador, um casamento em que um dos parceiros está com depressão,
tem nove vezes mais propensão de acabar, do que um onde não exista a depressão.
Adriana Tucci mostra também dados internacionais onde osTranstornos Afetivos,
além de terem uma prevalência de, aproximadamente, 11,3% da população, são uma
das doenças que mais geram perdas sociais e nos relacionamentos familiares
Assim sendo, antes de se tomar decisões precipitadas nas
desarmonias de relacionamento recomenda-se que, primeiro, seja verificada a
possibilidade de uma das pessoas do relacionamento (quando não as duas) ser
portadora de Depressão, em qualquer de suas formas (Distimia, Transtorno
Afetivo Bipolar, Depressão Recorrente).
A Depressão, seja leve, moderada ou grave, será sempre
incapacitante em algum grau, principalmente se considerarmos a duração dos
sintomas. Ao longo do tempo os sintomas depressivos podem provocar
desdobramentos complicados e desgastantes para a família e para a pessoa.
Segundo trabalhos recentes as relações íntimas entre pessoas
com depressão são mais tensas, estressantes e cheias de conflitos do que entre
pessoas não depressivas. Xavierdiz que a depressão e os problemas de
relacionamento e sexuais causados por ela seja a razão mais comum dos casais
que procuram uma terapia. Metade das mulheres depressivas reclama de sérios
problemas dentro do casamento e, provavelmente, um número parecido dos homens
pode também reclamar da qualidade do relacionamento com mulheres depressivas.
Quando aparece um quadro depressivo na família, geralmente
esta se desestrutura bastante. A tendência inicial é querer ajudar o indivíduo
a reagir; ora acreditando que essa reação depende da vontade da pessoa
deprimida, ora propondo medidas bem intencionadas e completamente ineficazes.
Com freqüência dentro das famílias ou mesmo entre um casal existe uma série de
crenças populares, que depreciam a pessoa com depressão, tais como a falta de
vontade, uma fraqueza psíquica ou coisas assim.
Como ninguém consegue produzir melhoras, aflora um sentimento
de frustração e impotência muito desgastante, principalmente quando se junta à
mistura das tais crenças populares. Além disso, deve-se considerar o impacto
social e econômico que a doença pode representar para toda a família.
É assim que os parentes de pessoas deprimidas, bem como
os(as) companheiros(as) também sofrem de preocupação excessiva, raiva, exaustão
e até mesmo raiva com a persistência daquele estado de humor problemático.
Comprometendo o Relacionamento
Apesar de serem poucos os trabalhos sobre indicativos,
variáveis clínicas e sociais que levam os portadores de Transtornos Afetivos a
apresentar maus ajustamentos sociais, a constatação de que isso acontece parece
ser unânime. As principais esferas atingidas pelos Transtornos Afetivos estão
nas áreas de trabalho e relacionamento interpessoal, com 1/3 dos pacientes
apresentando desempenho ruim tanto no trabalho quanto no ajuste em outras áreas
(Tsuang,1980).
Adriana Tucci (2001), verificou predomínio da Depressão em
mulheres, e o relacionamento familiar teve papel significativo no resultado de
ajustamento social. Entre portadores de Transtornos Afetivos, os pacientes
unipolares e os distímicos tiveram melhores resultados no ajustamento social e
no relacionamento familiar do que aqueles com Transtorno Afetivo Bipolar ou com
a chamada Depressão Dupla, que é quando um episódio depressivo acomete quem já
tem Distimia.
Tucci cita ainda pesquisa de Leader Klein, que avaliaram o
relacionamento familiar de pacientes com Depressão Unipolar, Distimia e
Depressão Dupla. Descreveram que pacientes com depressão dupla foram os que
apresentaram, significativamente, piores resultados em relação aos outros dois
grupos, e os pacientes distímicos apresentaram relacionamento familiar mais prejudicado
do que os unipolares; porém, essa diferença não assumiu significância
estatística. Esses dados são semelhantes aos apresentados pelos pacientes do
presente estudo.
De fato, é de se supor que as maiores dificuldades de
convivência familiar, social ou conjugal sejam com pacientes distímicos, já que
a Distimia está identificada com aquela característica de personalidade
conhecida como mau-humor. A convivência com pessoas mau-humoradas é,
inegavelmente, muito difícil.
Comprometendo a Sexualidade
Um dos fatores importantes no comprometimento do
relacionamento íntimo é a alteração na libido, ou do desejo sexual que
acompanha a Depressão. Quem está deprimido normalmente perde a capacidade de
sentir prazer com tudo, inclusive com o sexo. Assim, com freqüência a vontade
de iniciar a relação sexual está muito prejudicada, ou tão comprometido que não
se consegue chegar ao orgasmo. Essa disfunção sexual é gradativa, e acontece
conforme a depressão vai-se agravando (veja Depressão e Disfunção Sexual).
Geralmente o tratamento da depressão tratará também a
disfunção sexual de maneira indireta. Apesar de muitos antidepressivos terem
como efeito colateral a diminuição do desejo sexual, mesmo assim a sexualidade
vai voltando ao normal conforme vai melhorando a depressão. Quando os
antidepressivos forem diminuídos ou suspensos a sexualidade voltará ao que era
antes da Depressão.
A falta de desejo sexual pode comprometer uma relação na
medida em que o(a) parceiro(a) sente-se deixado de lado, ou pior, suspeita de
não estar mais sendo amado ou que pode estar sendo traído. Quando sozinha (ou
solteira) a baixa da libido pode impedir a pessoa com depressão de começar
qualquer relacionamento novo, principalmente porque, além da Disfunção Sexual,
estará presente também uma baixa auto-estima.
Adriana Tucci verificou ainda que, de um modo geral, o papel
sexual, tanto para pessoas casadas quanto para as não-casadas, foi o item que
encontrou piores resultados adaptativos, com alta proporção de sujeitos com
ajustamento ruim. Interesse em arrumar trabalho também teve alta proporção de
pacientes com desempenho ruim, assim como foram ruins os interesses em adquirir
informações, seguido pelo isolamento social.
Quando o Transtorno é Bipolar
Gitlin et al (1995), em estudo prospectivo de 82 pacientes
com Transtorno Afetivo Bipolar (veja TAB), verificaram que a adaptação social
era boa apenas para 39% dos pacientes e com perdas razoáveis ou intensas para
62% deles. No trabalho de Kocsis et al (1997), há mais de 10 anos, os pacientes
distímicos apresentaram prejuízos nos papéis sociais analisados, tais como, no
trabalho, vida em família, tempo para atividades sociais e lazer.
A convivência é difícil no TAB porque esses pacientes
costumam ter Episódios de Euforia e Episódios de Depressão, sendo que, na
euforia, eles costumam colocar em risco a harmonia doméstica, o relacionamento
íntimo, o patrimônio material e a segurança daqueles que com quem convive. Nos
Episódios Depressivos, a apatia, desinteresse, perda do prazer, tendência ao
isolamento, entre outros, complicam sobremaneira a convivência.
Um fator importante na melhoria da qualidade no
relacionamento com pessoas bipolares é a excelente perspectiva de sucesso do
tratamento, tanto nas fases agudas quanto na profilaxia dos episódios. O lítio,
por exemplo, assim como outros estabilizadores do humor, diminuem
expressivamente as possibilidades de recaída dos episódios de euforia nos
Transtornos Afetivos Bipolares, os antidepressivos melhoram as relações
interpessoais e o funcionamento global dos pacientes (Winokur,1993), prevenindo
muita vezes os episódios de depressão.
O episódio de euforia se traduz por um estado de completa,
artificial e patológica satisfação e felicidade. Verificam-se elevação do
estado de ânimo, aceleração do curso do pensamento, loquacidade, vivacidade da
mímica facial, aumento da gesticulação, riso fácil e logorréia. É muito difícil
conviver harmonicamente com uma pessoa eufórica.
O tema “Abuso no Relacionamento Íntimo” é tratado em outra
página desse site (seçãoMulher) e pode estar presente na convivência com
pessoas bipolares, especialmente durante episódios de euforia.
Quando o Transtorno é Depressivo Recorrente
Trata-se de um transtorno caracterizado pela ocorrência
repetida de episódios depressivos, leves, moderados ou graves. O primeiro
episódio pode ocorrer em qualquer idade, da infância à senilidade, sendo que o
início pode ser agudo ou insidioso e a duração variável de algumas semanas a
alguns meses. O marcante desses episódios é a apatia durante a crise
depressiva, diminuição da energia física e mental, cansaço e fadiga crônicos,
muitas vezes responsáveis por inúmeros exames de sangue a que se submetem os
pacientes. O deprimido pode relatar fadiga persistente sem esforço físico
compatível e as tarefas mais leves parecem exigir mais esforço que o habitual.
Também pode haver diminuição na eficiência para realizar
tarefas. A pessoa deprimida pode queixar-se, por exemplo, de que as coisas
levam o dobro do tempo habitual para serem feitas. Na depressão também é muito
freqüente um certo prejuízo na capacidade de pensar, de concentrar-se ou de
tomar decisões. Os depressivos podem se queixar de enfraquecimento de memória
ou mostrar-se facilmente distraídas.
A produtividade ocupacional costuma estar prejudicada,
notadamente nas pessoas com atividades acadêmicas ou profissionais intelectualmente
exigentes. Freqüentemente existem pensamentos sobre morte durante o Episódio
Depressivo. Trata-se, não apenas da ideação suicida típica, mas também da
preferência em estar morto ainda que não propositadamente. O que torna a
convivência e o relacionamento muito problemático com a pessoa que atravessa um
episódio depressivo é a baixa auto-estima. Por conta disso o ciúme e a sensação
de estar sendo menos gostado, de estar atrapalhando, sendo um ‘peso morto’, têm
papel importante.
Quando o problema é a Distimia
A característica essencial do Transtorno Distímico é um humor
cronicamente deprimido que ocorre na maior parte do dia, na maioria dos dias,
na maior parte dos meses. As pessoas com Transtorno Distímico descrevem seu
humor como triste ou "na fossa", mas na realidade elas são
mau-humoradas. Pode haver baixa energia ou fadiga, baixa auto-estima, fraca
concentração ou dificuldade em tomar decisões e sentimentos de desesperança. Os
indivíduos podem notar a presença proeminente de baixo interesse e de
autocrítica, freqüentemente vendo a si mesmos como desinteressantes ou
incapazes. Como estes sintomas tornaram-se uma parte tão presente na
experiência cotidiana do indivíduo (por ex., "Sempre fui deste
jeito", "É assim que sou"), eles em geral não são relatados, a
menos que diretamente investigados pelo entrevistador.
Para os distímicos os fatos da vida são percebidos com muita
amargura e são mais difíceis de suportar, de forma que as vivências
desagradáveis são ruminadas por muito tempo e revividas com intensidade,
sofrimento e emoção. Já as vivências mais agradáveis passam quase
desapercebidas, são fugazes e esquecidas com rapidez.
Conviver ou relacionar-se com pessoas assim mau-humoradas,
implicantes, exigentes e negativas, digamos, dispensa comentários. Muitas
pessoas distímicas não procuram ajuda por vergonha, por medo de serem vistos
como “loucos” ou pessoas psiquicamente problemáticas, mas se soubesse da
melhoria nas condições de vida com o tratamento com antidepressivos essas
barreiras seriam facilmente superadas.
para referir:
Ballone GJ - Depressão e Relacionamento Pessoal - in.
PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br,
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