CRESCIJMENTO E SABEDORIA

segunda-feira, 14 de março de 2011

My name is Khan - maravilhoso


My Name is Khan



Os ataques ocorridos nos EUA a 11 de Setembro de 2001 e a propaganda
 anti-terrorista que se seguiu deram carta-branca a racistas e xenófobos 
pelo mundo fora para escolherem um novo alvo para a sua intolerância: 
os muçulmanos. 
Todos os dias a máquina de propaganda americana nos tenta fazer crer
 que há realmente uma ligação íntima entre terrorismo e Islão (quem 
assistir às séries 24 ou NCIS: LA deve ter notado a quantidade de vezes
 que surgem terroristas islâmicos no papel de vilões), ainda que a 
História nos tenha habituado a actos de terrorismo mais frequentes 
por parte de não-islâmicos (IRA? ETA? Alguém se lembra?).

Do lado de cá do Atlântico, a facção xenófoba europeia, que não se 
divertia tanto desde os anos 40, esfrega as mãos de contente com a
 possibilidade de proibir a construção de minaretes e o uso de burcas e hijabs. 

Entretanto o cidadão comum já assimilou meia-dúzia de palavras de 
origem árabe como "haram" ou "jihad" mas isso está longe de significar 
que compreende o seu significado.
Ainda há quem confunda sikhs com muçulmanos por causa dos turbantes,
 quem confunda os conceitos "islâmico" e "árabe" e quem ache que mulheres
 que cobrem a cabeça ou o corpo não têm poder de decisão. Sobre este 
assunto, e sem me alongar mais, quero apenas dizer que proibir a burca
 ou o hijab sob o pretexto de defender as mulheres é uma falácia. 
Respeitar os direitos das mulheres implica deixá-las vestir o que quiserem.



My Name is Khan surge, em 2010, como uma óptima lição sobre tolerância
e preconceito.

Para protagonistas de MNIK, o realizador Karan Johar chamou a si o seu
 par fetiche, os actores Kajol e Shah Rukh Khan. 

Se há pessoas capazes de mover multidões de fãs do cinema indiano, são estes três.

Apresentado na 60ª edição do Festival de Berlim, My Name is Khan 
conta-nos o percurso de Rizvan Khan, um homem muçulmano com 
Síndrome de Asperger (uma forma de autismo) que se vê forçado a
 emigrar para os EUA após a morte da mãe para viver com o irmão 
e a cunhada.

Deliciosamente honesto e frontal, Rizvan tem poucas aptidões sociais
 mas é bastante inteligente. E consegue reparar quase tudo!

O irmão arranja-lhe trabalho como vendedor de produtos de cosmética
 e é assim que conhece Mandira, uma mãe divorciada hindu (alerta tabu #1!)
 com quem se casa (alerta tabu #2!). Por não concordar com a opção
 de Rizvan em casar com uma hindu, o irmão não aprova o seu casamento
, pelo que a cunhada é a única a ir à cerimónia.


Como gesto de amor, Mandira adopta o sobrenome marcadamente islâmico
 do marido, Khan, e o filho dela, Sameer, faz o mesmo. 
E é então que tudo corre mal.



Dão-se os ataques do 11 de Setembro e os muçulmanos começam a 
ser olhados de lado. O salão recém-inaugurado de Mandira - chamado
 "Mandira Khan" - fica deserto e ela é obrigada a procurar trabalho por
 conta de outrém.
O melhor amigo do casal, Mark, é enviado para o Afeganistão, 
onde é morto. O filho deste, colega de Sameer e outrora o seu melhor 
amigo, começa a ostracizá-lo e a alinhar com o bullying de que este 
é vítima na escola. E que culmina com um ataque fatal por parte de 
colegas no campo de futebol.

Nas ruas, sikhs são assassinados por serem confundidos com
 muçulmanos e as lojas detidas por muçulmanos são alvos de
 ataques indiscriminados. 

Aseena (Sonya Jehan), cunhada de Rizvan e docente numa universidade,
 é atacada nos corredores da faculdade, com um anónimo a aproximar-se
 dela por trás e a arrancar-lhe o lenço da cabeça.

Mandira não consegue suportar a dor da perda do filho e culpa Khan 
por ter surgidos nas suas vidas. Num acesso de raiva, pergunta a 
Rizvan se este consegue explicar às pessoas e ao Presidente dos 
EUA que ser muçulmano não significa ser terrorista. E pede-lhe que
 saia de casa.

Rizvan sai com um objectivo: dizer ao Presidente Bush "O meu nome é
 Khan e eu não sou terrorista".

Pelo caminho, é alvo de uma detenção no aeroporto 
(depois de uma denúncia de outra passageira, outro hábito fantástico
 que se tinha perdido com a queda do nacional-socialismo e a caça às
 bruxas contra os comunistas), vai parar a uma prisão federal e encontra
 uma família nos braços da grande, enorme e negra Mama Jenny e 
do seu adorável filho Funny Hair Joel.

A passagem de Khan pela Georgia é, aliás, uma recordação do que 
aconteceu em New Orleans mais ou menos na mesma altura. 
A população pobre e negra é deixada ao abandono para morrer durante
 umas cheias terríveis. My Name is Khan dá-nos aqui um momento de 
conto de fadas, com o grupo de cidadãos anónimos que, liderados pelo
 irmão e pela cunhada de Vizram, acodem os necessitados sem qualquer
 ajuda governamental.

De acordo com Shah Rukh Khan, que co-produziu o filme, My Name is
 Khan não é um filme sobre o Islão, mas antes sobre boas pessoas e
 más pessoas. E isso é algo que não se distingue pela religião.



No entanto, tenho de colocar aqui uma citação do Hollywood 
Reporter (via Wikipedia) que diz que My Name is Khan aborda "
a subject American movies have mostly avoided -- that of racial 
profiling and the plight of Muslim-Americans. It also allows Shah 
Rukh Khan to display his talent to an even wider audience. 
It's well worth the 162-minute journey."


Está tudo dito. Shah Rukh Khan demonstra realmente que, apesar 
de se ter tornado um actor que faz sempre a mesma personagem, 
é realmente poderoso e tocante se quiser.
Kajol é uma verdadeira luz no ecrã. É doloroso vê-la atravessar a 
perda do filho.



E sim, My Name is Khan é o que se chama um verdadeiro "tearjerker", 
ou seja, é capaz de fazer chorar as pedras da calçada, ainda que 
sem cair no melodrama fácil.


Acima de tudo, é um filme educativo, muito educativo, e uma bem 
sucedida incursão do cinema comercial indiano naquele que é um 
dos tópicos mais pertinentes da actualidade.




Normalmente tenho receio de mostrar filmes indianos a quem 
não está habituado à duração normal de três horas de filme, 
mas em MNIK isso nem se nota. Vejam-no por favor e ponham 
todos os vossos amigos a vê-lo também.


UM FILME 100% GARANTIDO

ZEN O FILME



Sinopse: Baseado na vida do mestre Dogen Zenji (19 de Janeiro de 1200 – 22 de Setembro de 1253), um professor japonês de Zen Budista, fundador da escola Zen Soto e importante filósofo.

Abrir mão de tudo, rendendo-se ao fluxo da natureza e somente sentando-se em meditação. Isto é a essência do Budismo Zen de Dogen. No 13º século, Dogen, um jovem monge japonês viajou à China, determinado a encontrar seu verdadeiro mestre.
Lá ele encontrou um monge que lhe ensinou que a meditação
Zen é o verdadeiro e único caminho à iluminação. Voltando, esclarecido, ao Japão, Dogen arriscou a sua vida para divulgar o Budismo Zen, inspirando milhões de budistas que praticam ao redor do mundo até hoje.



Depois de assistir este filme sério sobre a vida do mestre Dogen Zenji, (após um trabalho minucioso de tradução das legendas do inglês para o português), devo dizer que fiquei profundamente tocado, não obstante o fato de estar seguindo essa linhagem, mas porque muitas passagens do filme são tão cativantes, que deixaram meu coração cheio de emoção, alegria e tristeza ao mesmo tempo. As últimas cenas são muito tocantes mesmo. Creio que a busca da verdade, serenidade e felicidade podem assumir diferentes percursos. Mas o que este filme revela, é o eterno poder de que um homem pode alcançar e do que deve renunciar. Recomendo vivamente este filme para quem estiver interessado em alguns conceitos do Zen que foram tão bem encaminhados.


MAIS UM POUCO SOBRE O FILME


Título original: Zen 
Diretor: Banmei Takahashi's 
Língua original: Japonês 
Legendas: português 
Duração: 127 min. 
Lançamento: 01/2009
SINOPSE 
Filme baseado em fatos reais, ambientado no Japão e na China. 
Retrata a vida do mestre zen budista Dogen Zenji, durante o turbulento período Kamakura. Seus pais morreram quando ele ainda era muito jovem, e o último desejo de sua mãe era que ele se tornasse um monge e trabalhasse para o bem de todos os seres.
 A experiência de ter perdido seus pais, deu uma visão especial a Dogen para a natureza fugaz da vida e desencadeou a sua busca pela iluminação.
Ele viajou para a China e treinou para se tornar um mestre budista,
 mas quando retornou ao Japão para difundir o que ele aprendera como 
uma forma nova de budismo, foi recebido com muita resistência e repressão. 
Oportunidade única de assistir um dos mais belos filmes já produzidos sobre o Zen!

filme raro em www.crescimentoesabedoria.com.br

CRIANÇAS HUANG SHI - uma jornada da alma



Existem pessoas que passam pela vida se queixando de que não tiveram a sorte de ter as melhores oportunidades do mercado. Outras, parecem desperdiçar estas mesmas oportunidades – na maioria das vezes, porque não estão atentas a elas. Mas existe ainda um tipo de pessoa – nesta vastidão de tipos que existe – que busca e cria suas próprias oportunidades. E quando consegue o que quer, não se importa de mudar de caminho e descobrir algo completamente novo e extraordinário. A história de uma destas últimas pessoas é o fio condutor do filme The Children of Huang Shi. Ambientado na China a partir de 1937, quando o país, dividido entre nacionalistas e comunistas era invadido pelo Japão, este filme nos conta o drama real de um grupo de crianças e jovens órfãos que nos dá um exemplo de vida, de determinação, bravura e trabalho. Um belo trabalho – que entra para o seleto grupo de bons filmes “baseados em uma história real”.
A HISTÓRIA: Conforme esclarecem as linhas iniciais de The Children of Huang Shi, a China foi dividida por guerras civis na década de 1930. Para piorar o quadro, o Japão invade o país e ocupa grande parte de seu território, deixando intocado o centro de Shangai. Em 1937, quando começa a narrativa do filme, os japoneses tinham iniciado os ataques a Nanjing(distante pouco mais de mil quilômetros de Beijing/Pequim), então capital do país. A imprensa internacional não tem permissão para chegar perto da zona invadida. Neste contexto, o jovem repórter inglês George Hogg (Jonathan Rhys Meyers) têm a sorte de conhecer, em uma academia de Shangai, ao motorista da Cruz Vermelha Andy Fisher (Matt Walker). Prestes a se casar, em dezembro daquele ano, Fisher será enviado para Nanjing – um local de alta periculosidade. Se passando por ele, Hogg consegue ir para a zona proibida para repórteres. Ali, Hogg se depara com as piores cenas de barbárie que havia visto na vida e conhece, depois de quase ser assassinado, ao líder da resistência Chen Hansheng (conhecido também como Jack, interpretado por Yun-Fat Chow) e a enfermeira Lee Pearson (Radha Mitchell).
VOLTANDO À CRÍTICA  Como foi dito no início, existem diferentes tipos de atitudes das pessoas em relação às oportunidades. O escritor e jornalista norte-americanoOrison Swett Marden, que viveu de 1850 a 1924, certa vez escreveu algo que se encaixa perfeitamente no exemplo contado pelo filme The Children of Huang Shi: “Não espere por oportunidades extraordinárias. Agarre ocasiões comuns e as faça grandes. Homens fracos esperam por oportunidades; homens fortes as criam”. O jornalista enfocado pelo competente roteiro de Jane HawksleyJames MacManus e Simon van der Borgh (que não aparece nos créditos) cria as suas oportunidades. Ele consegue, com bons argumentos e jogo de cintura, se infiltrar na cobiçada cidade de Nanjing – zona de conflito que era um dos grandes assusntos para o jornalismo no final dos anos 1930.
Generoso, ele não apenas cria uma oportunidade para si mesmo, mas também para os colegas de profissão Barnes (David Wenham) e Eddie Wei (Ping Su), este último um conhecido fotógrafo da United Press. Mas como ocorre na maioria dos casos da vida real, os planos de George Hogg devem ser mudados radicalmente, pelo menos por um período. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Depois de presenciar e registrar algumas cenas de extrema brutalidade protagonizadas pelo Exército japonês, Hogg é apanhado e, milagrosamente, salvo pelo grupo de comunistas liderado por Chen Hansheng. Mas seus companheiros de profissão não tem a mesma sorte – e Hogg é atingido quando reage ao extermínio de Barnes e Wei. Depois de ser medicado por Lee Pearson, ele deve passar por um período de recuperação. Pearson sugere a Hansheng que Hogg, que não sabe falar chinês, vá para Huang Shi, um local isolado no noroeste da China.
Em Huang Shi o jornalista inglês ávido por “contar a verdade” sobre o que acontecia na China invadida por japoneses se encontra com um grupo de crianças e jovens órfãos. Quando George Hogg chega por ali, o local está uma bagunça. Abandonado, sem energia elétrica ou luz, com os órfãos infestados de piolhos e sem comida – apenas alguns grãos cheios de traças. Sem esperar, Hogg encontra no local a oportunidade de conhecer a “China profunda”, ou seja, de se familiarizar com seu idioma, seus costumes e a maneira de seu povo respeitar a natureza, a vida e os mortos. O jornalista abandona, pouco a pouco, suas idéias de “fazer a diferença” em uma grande proporção, como o seria o caso de escrever reportagens dignas de prêmios e que revelassem ao mundo o que acontecia na China, para fazer a diferença em uma pequena escala. E que diferença!
Em Huang Shi o protagonista encontra muitas realidades diferentes em cada criança. 
Mas para simplificar estas diferenças, os roteiristas escolheram dois personagens que acabam tendo um maior destaque na história: Liu Shi-Kai (Guang Li) e Yu-Lin (Shimin Sun). O primeiro encarna o “revoltado”, o rebelde da turma. Depois de assistir a morte de toda a família, ele se refugiou em Huang Shi e assumiu, por sua própria conta, o papel de líder dos garotos – até a chegada de Hogg. Filho de um ex-funcionário do governo, ele fala inglês fluentemente e se considera um tanto “superior” aos demais garotos que vivem por ali. Como contraponto de sua postura um tanto “arrogante” temos a Yu-Lin, um garoto simples, esforçado e interessado que acaba aprendendo inglês com Hogg e, por intercâmbio, ensinando chinês para o jornalista.
O roteiro desta produção tenta abrigar todos os gêneros, do humor até o romance e a aventura. Mas, sem dúvida, a sua maior vocação narrativa é o drama (inclusive o de guerra). O incrível desta história é que ela passa por muitos altos e baixos, mas sem perder a capacidade de nos surpreender. Quando acreditamos que já vimos tudo sobre a capacidade de superação dos “meninos adotados por Hogg”, o protagonista nos surpreende com uma aventura que poderia ser classificada como suicida ou de pura loucura. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Como os depoimentos de sobreviventes daquela época atestam, quando esta produção termina – um detalhe bem bacana inserido pelos produtores do filme -, o grupo realmente conseguiu percorrer a longa distância entre Huang Shi e Shandan, cidade próxima ao Deserto de Gobi (ou seja, em direção à fronteira com a Mongólia). Impressionante!
Assim como é impressionante todo o cuidado deste filme com os detalhes. Um grande trabalho do diretor Roger Spottiswoode. Ele consegue, na mesma proporção, filmar um take complicado cheio de figurantes, como são as cenas que revelam o deslocamento humano de chineses expulsos de suas casas ou o movimento de tropas nacionalistas pelo país; na mesma medida em que registra com precisão uma sequência intimista, que demanda firmeza interpretativa de seus protagonistas. Além disto, as paisagens da China poucas vezes foram tão bem exploradas por uma equipe de filmagens liderada por profissionais de fora do país. O diretor de fotografia Xiaoding Zhao, que como o nome sugere, é chinês, ajudou de forma decisiva para que os melhores takes fossem registrados por Spottiswoode – impressionante, em especial, a qualidade técnica das cenas noturnas. Outro ingrediente fundamental para o filme é a belíssima e clássica, assim como empolgante, trilha sonora de David Hirschfelder.
NOTA: 10.
OBS DE PÉ DE PÁGINA: Eis um grande filme. Com poucos efeitos especiais – que praticamente ficam imperceptíveis de tão bem feitos e por terem sido inseridos na história de forma precisa – e com várias mudanças de direção, The Children of Huang Shi conta um drama humano pouco conhecido por nós, ocidentais. Como bem revela um dos sobreviventes no final do filme, a aventura daquele grupo ficou conhecida, posteriormente, como “a longa marcha em miniatura”. Esse título faz referência a Longa Marcha liderada por Mao Tse-tung entre 1934 e 1935, na qual o Exército Vermelho conseguiu romper com as quatro linhas do cerco feito pelos nacionalistas (mais informações neste texto).
Outra característica fundamental desta história é o seu tom pacifista. Fica evidente a intenção dos roteiristas em contar a trajetória de um estrangeiro que insistiu em uma conduta da paz – assim como outros nomes citados por ele em certa parte do filme – ao invés da simples e normalmente desastrosa conduta da represália. O interessante deste ponto é que, mesmo vindo de uma família pacifista, o protagonista chega a pensar em empunhar armas e/ou incentivar o revide em certo momento da história. Mas logo ele percebe que o caminho é outro. Curiosa também a escolha dos roteiristas por mostrar uma conduta “benéfica” de um estrangeiro na China – que é conhecida por sua resistência ao que vem “de fora”.
Interessante que George Hogg foi inspirado pelo livro A Estrada da Seda (no original, The Silk Road), obra que narra a aventura de Marco Polo pelo território chinês no século 13 e que foi presenteada pela comerciante Mrs. Wang (a sempre perfeita Michelle Yeoh) para o jornalista inglês. Depois de ler esta obra Hogg teve a idéia de “subir a Estrada da Seda”, que atinge alturas de 3 mil metros e que, normalmente, está cercada por neve. Durante dois meses Hogg e os demais percorreram essa rota complicada para chegarem a um local seguro para aquelas crianças e jovens. Aqui algumas informações a mais sobre a Rota da Seda.
 The Children of Huang Shi é o exemplo de um filme que trata de muitos assuntos em pouco tempo e que, ainda assim, mantêm uma certa qualidade narrativa do início ao fim. Mesmo não estando em evidência, assuntos como a rivalidade (e a união ocasional e interesseira) entre nacionalistas e comunistas; a escassez de alimentos e medicamentos em um país gigantesco e atacado de múltiplas maneiras; e a dependência de muitas pessoas ao jogo e ao ópio são citados na história. Junto à exposição dos grandes deslocamentos de chineses na época e à alguma citação sobre corrupção e o extermínio de civis, estes elementos traçam um interessante quadro do que acontecia na China naquele momento histórico – pouco antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial.
Uma curiosidade: Chen Hansheng, personagem interpretado pelo sempre ótimo Yun-Fat Chow, é considerado uma lenda pelo atual governo comunista chinês. Neste texto é possível saber um pouco mais sobre as razões que fazem ele ser um tanto que “endeusado” pelos comunistas.
Procurando sobre as cidades citadas no Google Maps e traçando a rota entre Huang Shi (Hwangshih) e Shandan (Zhangye), que teriam sido os pontos de partida e chegada do grupo de George Hogg, descobri que eles percorreram, no total, mais de 2 mil quilômetros. E que a distância entre Lanzhou e Shandan é de 511 quilômetros – um trajeto que, ainda hoje, demora quase cinco horas para ser percorrido de carro. Isso explica o que aconteceu no final do filme.
Para os interessados em mais detalhes sobre aquele período da história da China, deixo aqui alguns textos: este resume a guerra entre japoneses e chineses, entre 1937 e 1941; este outro, da Deutsche Welle, conta como foi formada a “segunda frente unida”, que colocou do mesmo lado (ainda que de forma capenga) comunistas e nacionalistas chineses em 1937.
Gostei dos atores de The Children of Huang Shi, ainda que eu ache que Jonathan Rhys Meyers pareça algumas vezes um tanto perdido no papel de George Hogg. Mas isso ocorre poucas vezes, especialmente no início do filme – como na sequência em que ele conhece a Chen Hansheng. Os demais, especialmente as crianças, estão muito bem em seus papéis. Gostei, especialmente, do trabalho carismático das atrizes Michelle Yeoh e Radha Mitchell.
Vale citar o trabalho do editor Geoffrey Lamb; a direção de arte inspirada e complexa de Xin Ming Huang e Peta Lawson; e o figurino de Kym Barrett e Wenyan Gao.
Produzido pela Austrália, pela China e pela Alemanha, The Children of Huang Shi teria custado US$ 40 milhões e arrecadado, nos Estados Unidos, pouco mais de US$ 1 milhão. Uma diferença brutal. Na China, o filme arrecadou pouco mais de 11,8 milhões de Yuan Chinês (algo em torno de US$ 5,9 milhões). Uma pena que o filme tenha ido tão mal nos cinemas.
The Children of Huang Shi foi indicado a três prêmios em 2008 e 2009: dois em categorias técnicas e um para o jovem talento de Guang Li. Mas a produção não ganhou nenhum deles.
O filme também não foi muito bem nas críticas que recebeu. Os usuários do site IMDb deram a nota 6,9 para esta produção, enquanto que os críticos que tem textos publicados no Rotten Tomatoes lhe dedicaram 49 textos negativos e apenas 22 positivos – o que lhe garante uma aprovação de 31%. O crítico John Anderson comentou, na Newsday, por exemplo, que The Children of Huang Shi se sairia melhor como uma produção televisiva, especialmente porque, ao ser narrado de forma cronológica, ele não tem a duração necessária para se aprofundar nas nuances, na exatidão e no desenvolvimento emocional que a história exige.
Concordo com a crítica Claudia Puig, do USA Today, quando ela comenta neste texto que o filme perde parte de sua força quando aposta muitas de suas fichas em possíveis histórias de amor ao invés de mostrar de maneira mais cuidadosa as peculariedades dos costumes chineses. Ela está certa neste ponto. Puig ainda afirma que o roteiro transforma muitos diálogos em algo artificial, especialmente a idéia de “você tem que dizer ao mundo o que está acontecendo aqui”, que cai como um verdadeiro clichê. Neste ponto ela está certa, ainda que o filme não se resuma a estes clichês.
O projeto de The Children of Huang Shi demorou oito anos para ser filmado. O produtorWieland Schultz-Keil, um dos responsáveis por viabilizar este projeto, fez o seguinte comentário nas notas de produção do filme: “Eu gostei imediatamente da história porque ela tem, como pano-de-fundo, um evento histórico, em primeiro plano uma história de amor e, em algum lugar no meio disso, a história da jornada de um grupo de crianças liderada por um homem extraordinário”. Isso comprova que os romances retratados pela história eram planejados pelos roteiristas para estar em evidência desde o início.
Lendo ainda as notas de produção do filme descobri que Yun-Fat Chow foi o primeiro ator a aderir ao projeto. Outro que entrou no filme logo no início foi o protagonista Jonathan Rhys Meyers. Curioso que ele não quis viajar para a China para conhecer a fundo os costumes locais. Preferiu chegar ao país repetindo os passos de “estranhamento, deslocamento e excitação” sentidos por Hogg em sua chegada no país asiático.
A atriz Michelle Yeoh entrou no projeto porque guardava boas lembranças do trabalho anterior com o diretor canadense e porque se interessou pela personagem de Madame Wang. “Ela era (uma pessoa) tão típica na China – naqueles tempos turbulentos, uma viúva tentando sobreviver mesmo indo contra todas as possibilidades”, resumiu a atriz.
Segundo as notas de produção do filme, o papel de Shi-Kai demandou uma pesquisa por jovens atores a nível mundial. Foram feitos testes em Toronto, Vancouver, na América e em Londres, antes de que os produtores encontrassem ao estudante Guang Li em Sydney, na Austrália. Aproximadamente 1 mil jovens passaram por testes para este papel.
Curioso que fez parte desta produção cerca de 300 profissionais chineses, mais 15 ocidentais e ainda uma dúzia de tradutores. Grande parte do trabalho da equipe necessitou do trabalho de tradutores. O diretor Spottiswoode explica um pouco deste processo: “Você realmente é mudo e surdo e isso é complicado. Foi mais difícil que em qualquer outro país em que eu já estive. Tudo foi feito através de tradutores e, depois de vários meses, essa experiência acaba sendo bem desgastante”. O ator Rhys Meyers disse que essas dificuldades com o idioma lhe auxiliaram para construir o seu personagem.
Outra curiosidade desta produção é que ela foi, literalmente, filmada de trás para a frente. Ou seja: a equipe começou filmando as cenas em Shandan para, no final, registrar as cenas correspondentes a Shangai. Isso ocorreu, segundo as notas de produção, devido a logística das locações e a agenda do pessoal que participou do filme.
CONCLUSÃO: Um filme complexo, cheio de subtemas e com um perfil de superprodução que acaba conseguindo seu propósito de envolver o espectador em uma história edificante e pacifista. Com uma fotografia e uma trilha sonora belíssimas, The Children of Huang Shi nos transporta para o interior da China dos anos 1930. Na tentativa de enquadrar todos os gêneros, da comédia até o romance, passando pelo drama e pela guerra, o roteiro erra um pouco a mão ao apostar fichas demais ao sugerir romances entre quatro dos protagonistas. Narrada de maneira pausada, esta produção dirigida pelo canadense Roger Spottswoode conta, em pouco mais de duas horas, a história que se propõe, com tempo ainda para tocar nos temas importantes da China naquela época. Como “plus” nesta narrativa, ainda somos convidados a refletir parte dos questionamentos existenciais do protagonista e a contemplar a beleza das paisagens chinesas. O problema é que possivelmente essa vocação do filme para “abraçar” todos os aspectos da história é justamente o que faz com que ele emocione, mas menos do que poderia, tendo como material bruto a ser explorado uma história tão bonita. De qualquer forma, por todos seus aspectos, The Children of Huang Shi é destes filmes que apenas acrescentam.
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